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Por que um vídeo-documentário sobre as mudanças ocorridas em Quiririm?

Texto: Renata Maria Pistilli Eberhard

Em um artigo publicado em 1979 na revista Problemas Brasileiros, o sociólogo José Vicente de Freitas Marconsdes, num artigo sobre os núcleos coloniais do Vale do Paraíba,  assim falava de Quiririm: “Atualmente, Quiririm é uma pequena comunidade onde a conversa obrigatória é o passado da colônia e das famílias italianas. Seu time de futebol – o “Quiririm Football Club” ainda é composto só por descendentes da Colônia... E ai daqueles que em Quiririm não sejam torcedores do Palmeiras, que para todos ainda é o Palestra Itália... Não obstante, a comunidade hoje – já completamente abrasileirada e aculturada – sente a influência e o esporeamento provocado pela indústria automobilística instalada em Quiririm.

Dez anos depois, no ano de 1989, foi organizada por um pequeno grupo de Quiririenses uma festa comemorativa do centenário da colônia, que se tornaria mais tarde apenas a primeira de muitas festas comemorando o aniversário da comunidade. Mais ou menos nesta mesma época, um grupo de pessoas – incluindo-se aqui também italianos de Taubaté – fundava uma associação com o intuito de resgatar e guardar – no sentido literal do termo, por meio de gravações -  histórias da imigração e da formação da comunidade.

Entre esses dois momentos parece ter acontecido algo interessante: de colônia  majoritariamante italiana, que vivia um cotidiano marcado por tradições e hábitos trazidos da Itália, e que conservava ainda vivo nas conversas de esquina seu passado, Quiririm parecia tomar consciência de si próprio, enquanto núcleo de imigrantes, e querer externar um certo orgulho disso. A partir de então, são várias as iniciativas que se encarreiram nesse sentido.

Desde 1989 passaram-se mais 26 anois e nesse quarto de década muitas foram as mudanças,  ocasionadas  na maior parte das vezes por fatores externos, pelas quais a localidade  passou. Foi-se embora o lugarejo descrito pelo sociólogo Marcondes, de ruas de terra, de difícil acesso, com senhoras vestidas com vestidos escuros e longos, avental e lenço na cabeça andando pelas ruas, foi-se embora o Esporte Clube Quiririm composto por filhos da colônia, foi-se embora o jogo de boccia, foi-se embora o lugarejo de agricultores, foram-se as plantações de arroz a batata e também as olarias. Surgiu um novo Quiririm, hoje muito maior, centro gastronômico, ponto de parada na rota São Paulo-Serra da Mantiqueira, palco de especulação imobiliária...

Para toda uma geração crescida no Distrito entre as décadas de setenta e oitenta – da qual faz parte a autora desse texto -  o que ficou foi uma sensação muito intensa de perda de um mundo, de desaparecimento de uma realidade. Essa geração foi a última que chegou a conviver com os imigrantes, expressão de um outro mundo, com outros hábitos e modo-de-vida, ao mesmo tempo em que ela mesma, ao contrário da geração anterior, não podia mais ser a continuação pura e simples dele. Para ela, reviver o passado já não era mais possível, só lhe restava tentar trazê-lo para o presente, dando-lhe nova cara.

De certa forma, foi isso mesmo ocorreu. Nesse sentido, se o passado não é mais o tema das conversas das esquina, por outro lado, tem-se a festa para comemora-lo e o Museu para guarda-lo. Se as meninas já não passam sua juventude aprendendo as prendas domésticas e preparando-se para casar, por outro lado, a maioria delas faz parte de um dos muitos grupos de tarantella. Se o dia de Santa Lucia já não mais tão especial na vida de crianças acostumadas a comer doces diariamente, por outro, hoje ela passa ao vivo e a cores    na porta de suas casa. Se o Ano Novo já não é mais comemorado ao som da sanfona do Sr. Renato Giovanelli a cantar pelas ruas, por outro tem-se hoje a “Cantata” protagonizada por um grupo de senhoras que saem a cantar pelas ruas na época do Natal. 

Sobre todo esse processo quer falar o documentário “Quiririm: outros tempos”, o qual, sem cair no saudosismo ingênuo, no elogio fácil do passado e no lamento sobre a passagem do tempo, quer mostrar como  todo esse processo de mudanças acima descrito foi sentido por aqueles que o vivenciaram e o protagonizaram.

 

Nessa busca do passado e de como sua transformação foi vivenciada, foi feita a opção de dar voz àqueles que vivenciaram pelo maior tempo possível a realidade local, ou seja, à geração nascida entre as década de vinte e trinta do século XX. É através da voz e visão dela que conhecemos, no âmbito desse vídeo-documentário, esse outro Quiririm, ou melhor, o Quiririm de outros tempos, para através dela entender o Quiririm de nosso tempo.

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